Sem sombra de dúvida que a desilusão em relação à vida é um tema importante na obra de Sá-Carneiro. É esta desilusão que faz com que o eu lírico tenha sua alma tomada por angústias a ponto de tornar-se estátua, pois a relação que ele estabelece com o mundo é sentida como tormento.
É importante salientar que não só o eu lírico do poema torna-se uma estátua (e tome-se o sentido de estátua como "algo totalmente inanimado"), mas a personagem Lúcio da narrativa também. Entretanto, no primeiro caso o poeta assume-se estátua de forma explícita , enquanto que no segundo isto ocorre de forma implícita (final do último capítulo): Lúcio tornou-se matéria morta em seu interior; tornou-se um ser ainda vivo, porém sem alma, sem esperanças, sem desejos, apenas a esperar a sua derradeira morte física.
Estátua Falsa, assim como A Confissão de Lúcio, são ambas perspassadas do início ao fim por conflitos existenciais: eu lírico/narrador versus mundo e eu lírico/narrador versus poeta. Em ambas as obras, a vida do poeta e das personagens se confunde de tal maneira que torna-se difícil separá-las, e essa é uma das marcas de Sá-Carneiro: a temática de sua obra é também seu conflito pessoal. Assim: a desilusão em relação à vida é a mesma passada por seu eu lírico, por seu narrador e por ele mesmo.
É inegável que Mário de Sá-Carneiro seja um dos grandes mestres da poesia portuguesa moderna. Dono de uma técnica inigualável, fez do conflito entre o eu lírico e o outro, da inadequação do que sente ao que desejaria sentir, uma das grandes marcas de sua obra.
Aqui, deixo um breve resumo da obra...
Novela escrita em primeira pessoa, consiste em uma análise do mundo sensorial. Ao modo próximo dos simbolistas, o narrador vai captando as relações mais íntimas do âmbito da percepção, levando esse conjunto de sensações a rever o conceito de realidade e aproximá-la do fantástico. Nesta obra o narrador, um sujeito provinciano está a contemplar a beleza e a riqueza do mundo cultural e urbano de Paris. O protagonista ao fechar num enredo absurdo, um tanto quanto sem lógica, deixa-se condenar por um crime que, a rigor, não cometera, mas tudo isso é fruto de um amor pervertido que o leva a ficar próximo da loucura: “Cumprido dez anos de prisão por um crime que não pratiquei e do qual, entanto, nunca me defendi.”
Num primeiro momento a história de desenvolve na Paris de 1895. O narrador, Lucio, nos conta do meio artístico e destaca-se nessa narração a figura de Gervásio Vila Nova: escultor, dono de uma conversa envolvente, embora fosse algo “disperso, quebrado, ardido”. Destaca-se ainda, nesse momento, a admiração que vai desenvolver por uma misteriosa americana, mulher rica e linda: “Criatura alta, magra, de um rosto esguio de pele dourada - e uns cabelos fantásticos, de um ruivo incendiado, alucinante.” Por meio dela fica sabendo da chegada de Ricardo Loureiro, poeta cuja obra era muito admirada.
Numa festa promovida por Gervásio, Lúcio é apresentado a Ricardo. Logo da primeira conversa vai se desenvolver uma grande amizade e admiração entre ambos.
A admirada americana ruiva desaparece de cena, Gervásio também encerra aqui sua participação no enredo, uma vez que retorna a Portugal. Enquanto as conversas com os outros tinham um interesse voltado para o intelectual, o conhecimento, as feitas com Ricardo pareciam atingir a alma de Lúcio. Desse amizade nasce uma relação que pode ser representada como sendo uma projeção de Lúcio sobre o outro, Ricardo. Pressente-se um tom de homossexualidade: “Mas uma criatura do nosso sexo, não a podemos possuir. Logo eu só poderia ser amigo de uma criatura do meu sexo, se essa criatura ou eu mudássemos de sexo.”
Ricardo vai para Lisboa, ficam os amigos separados por um ano, trocam-se cinco cartas durante esse período. Em dezembro de 1897 Ricardo retorna a Paris: “As suas feições haviam-se amenizado, acetinado - feminilizado, eis a verdade.” Lúcio sabia, no entanto, que Ricardo havia se casado. Num jantar Lúcio é apresentado a ela, Marta: “Era uma linda mulher loira, muito loira, alta, escultural (....) Cheguei a ter inveja de meu amigo.”
Os três ficaram amigos inseparáveis. Participavam em reuniões de amigos intelectuais e artistas, e nessas se destacava a figura de Sérgio Warginsky, músico russo, que no entanto, vai criar uma impressão negativa e de quase ódio em Lúcio.
Envolvido com sua produção literária, por vezes, Ricardo deixava Lúcio a sós com Marta. Entre situações às vezes constrangedoras que beiravam o limite da amizade, Lúcio começa a se sentir envolvido pela figura de Marta. Até que, enfim, Marta torna-se amante de Lúcio. Lúcio acaba se apaixonando por Marta, apesar de continuar a amizade com Ricardo. Estranhamente Lúcio atenta para alguns detalhes da fala de Ricardo, como quando o amigo lhe diz que ao se observar ao espelho não mais se via: “Ah! Não calcula o meu espanto... a sensação misteriosa que me varou... Mas quer saber? Na foi uma sensação de pavor, foi uma sensação de orgulho.”
Por outro lado, Marta também parecia a Lúcio como uma mulher irreal: “sim, em verdade, era como se não vivesse quando estava longe de mim.” Nada confirmava sua existência além do perfume penetrante que ficava no leito, precisava não mais provar o amor, mas a existência real dessa misteriosa mulher que tanto se entregava a ele e que traía com intensidade o amigo: “As suas feições escapavam-me como nos fogem as das personagens dos sonhos. E, às vezes, querendo-as recordar por força, as únicas que conseguia suscitar em imagem eram as de Ricardo. Decerto por ser o artista quem vivia mais perto dela.”
Depois de algum tempo, Marta torna-se fugidia, demora-se menos com Lúcio, os encontros tornam mais difíceis. Lúcio começa a desconfiar de Marta e desenvolve um sentimento de ciúme. Nas tardes em que apenas encontra o amigo Ricardo, começa a procurá-la desesperadamente. Uma vez seguindo Marta, descobre que ela fora ao apartamento de Sérgio Warginsky. Por essa época, Lúcio terminara uma peça de teatro e começa a andar pelas ruas, em uma dessas andanças encontra Ricardo, este lhe faz uma estranha afirmação, de que Marta é uma criação de Ricardo: “Compreendemo-nos tanto, que Marta é como se fora a minha própria alma,. Pensamos da mesma maneira; igualmente sentimos. Somos nós dois... (...) E ao possuí-la, eu sentia, tinha nela, a amizade que te deveria dedicar.”
Nesta cena alucinante, Ricardo mata Marta, e então Lúcio descobre que um mistério envolvia essa morte: Marta folheava um livro, em pé, ao fundo da casa. Ricardo dá-lhe um tiro à queima roupa: “E então foi o Mistério... o fantástico Mistério da minha vida...
Ó assombro! Ó quebranto! Quem jazia estiraçado junto da janela não era Marta - não! - era o meu amigo, era Ricardo... E aos meus pés - sim, aos meus pés! - caíra o seu revolver ainda fumegante!...”
Marta desaparecera, como uma ilusão, uma névoa.
6 comentários:
Ótima resenha, corralinda.
Obrigado por participar da blogagem.
Um beijo!
William
Obrigada William!
Beijos
[GRANDE GRANDE GRANDE ESCOLHA!!! sem mais...]
um imenso abraço
Leonardo B.
Obrigada Leo!
Abraços!
Boa resenha e que livro maluco, fiquei interessada.
beijos
Angela vale a pena conferir, no meu ver foi o melhor que li neste ano...
bjo
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