22.11.09

Dispersão


Sá Carneiro


Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
E hoje, quando me sinto.
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar,
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).

Pobre moço das ânsias...
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que me abismastes nas ânsias.

A grande ave doirada
Bateu asas para os céus
Mas fechou-se saciada
Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que protejo:
Se me olho a um espelho, erro
Não me acho no que projeto.

Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha dentro de mim.

Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
Eu nunca vi... mas recordo

A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que sonhei!... )

E sinto que a minha morte —
Minha dispersão total —
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas. . .

Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas pra se dar
Ninguém mas quis apertar
Tristes mãos longas e lindas

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!

Desceu-me nalma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em, uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço ...

...............................................
Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...
.............................................. 




Este poema retrata que tudo está voltado para o próprio " eu".Na palavra "labirinto" temos uma metáfora, em que o poeta se perde dentro de si mesmo e busca seu próprio eu.É egocêntrico.Possui estrofes regulares de quatro versos e usa pronomes reflexivos, os quais são os espelhos, ou seja, uma projeção de si mesmo.
Na quarta estrofe, o domingo para o vate é tédio e não se tem um bem-estar, pois é corriqueiro. A beleza está na ânsia, no desejo e aqui se tem um paradoxo, pois ele se perde com suas ânsias.
Na sexta estrofe, temos um alguém que sonhou demais e a identificação com o outro.
Na décima estrofe há uma duplicação do eu, o "eu" que recebe este eu e o eu que regressa.
O grotesco é o ideal entre o belo e o feio, uma visão decadentista, uma influência de Baudelaire.O presente sempre é vazio.No final do poema, temos uma metáfora,pois castelo é perfeito e não desmantelados e ele faz referência a si mesmo, porque sonha mas se perde nos seus próprios sonhos.

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