6.10.10

Dor de peito

Por Vanessa Campos Rocha

 
        A Ana Joana estava no banco da praça. Corajosa. Bem calma. Já teve época de duvidar disso, de ser firme. Mas hoje era que nem ponto final. Metido no lugar certo e na hora certa.
        
Estava perfumada, de saia cinza e meia calça preta. Sapatos azuis. Contente porque sabia combinar bem as cores para que elas não se esvaziassem de si mesmas. Adorava as cores e suas nuances. E suas misturas.
        
Estava implicando um pouco com a quantidade de cachorros na praça. Peludos, felpudos, dentuços, raivosos. E ficavam circulando e circulando com as pessoas chamando seus nomes. Por causa disso respirou fundo. E se ajeitou no banco. O ar que teimava em vir. O banco era duro. Mas tudo bem. Não se pode concordar com tudo no mundo. E também estava ali por outro motivo.
        
O doutor mandou ela se conhecer. Se questionar. Se organizar. Entendeu muito bem. E gostou muito do que havia por lá: as fotos, o tapete e os espelhinhos nos lugares certos. Tinha uma idéia de vida do além e uma da dor que batia no peito. Ele garantiu que se ela seguisse o recomendado ficaria ótima. Aceitou. Virou as costas com segurança, segurando a bolsa somente pela alça.
        
Por causa dos problemas da praça é que demorava um pouco para se aprofundar em si. O entrosamento, por exemplo, do fio elétrico e do maracujá. Não combinava. Um era vivo e verde, o outro era cinza. Ruim. A garça branca que vivia por lá era outra causa perdida. Todo mundo apontava, olha lá bem que linda. Que soberana. Ela achava meio desumano. Ela sozinha e branca, no meio de gente.
        
Olhou em volta de si. Esticou-se toda. Mexeu a cabeça para os lados ouvindo estalinhos. Pensou em deixar a praça em paz. É fácil deixar alguém de lado. Imagina-se um porta trancada, com a coisa que não se quer pensar dentro. Ficou quieta por dentro. Só borbulhando.
        
Ana Joana pensava sorrindo que estava se enganando. Não estava fazendo nada do que o doutor recomendou. Será que pensou em voz alta? Olhou em volta para que ninguém achasse que era ela louca. Mas não passava ninguém. Todos estavam andando. Ou correndo. Ah, e daí se falasse em voz alta? Continuou pensando. O doutor pode achar, mas não sou de ficar sentindo tristeza triste. Eu não. Quando fico triste é com bastante alegria.
        
O sorveteiro passou gritando nomes de picolés. Com uma voz bem gelada. Ela apertou a garganta com as mãos. Queria ter colocado o cachecol. E alguém lá gostaria de sorvete nesse frio? Pensou quando o moço passou perto dela. Ele abriu um pequenino sorriso de canto de boca. Ela não respondeu. Não se sabe porque.
        
Mas também se tiver alguém que queira não ligo. E achou uma graça danada de pensar assim. Colocou o peito para frente. Chacoalhou um pouco os ombros, para imitar o gesto da garça. Mas ela nem percebeu. Achou que procurava alguma coisa na bolsa. Mas lembrou-se que não era nada.
        
Ela estava doida de vontade de rir. Rir do que mesmo? Ah, mas já me lembrei do motivo. Foi o Pedro, que quando foi abrir o portão deixou cair as calças no chão. E depois ainda disse: é de pelado mesmo que eu sou feito.
        
Céu nublado. Ela jogou a cabeça para trás. Nuvem é pensamento. É sim porque se você entra dentro não tem nada. Já vida é que nem terra. Tem muita coisa por baixo. E amor? É como costurar. Você escolhe o pano de fundo e depois inventa em cima.
        
Difícil mesmo era se concentrar. Tanta coisa no mundo: coitada da garça. Fio de maracujá. Cachorro feio. Nuvem. Meia calça. Cores. Doutor. Dor no peito. Graça. Casamento. Chega! Vou embora.
        
Ana Joana se levantou do banco amarelado. Foi saindo da praça. Olhando nos olhos dos outros. E pensando que o recheio deles era de nuvem. Puxou um pouco a meia calça. Abriu um sorriso de ver o sapato azul. Despediu-se da garça. Se pudesse levava para casa. Dava um lar. Mas ela tinha dor no peito. Fazer o que?
        
É serio! O que se faz com a dor no peito? Pensou indo embora.


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