6.10.10

Pequeno tempo

Por Vanessa Campos Rocha
  Contos do livro Pequeno Tempo                                              




       Capítulo 1: As cortinas


A luz que vinha de fora, podia agora entrar pela sala e iluminá-la do centro ao fundo. A mulher, serena e com um tom leve qualquer, quase num impulso, foi abrir as cortinas tão e tanto fechadas. A luz que entrou encostou-se nela, depois a atravessou e aninhou-se a ela como para esquentá-la.
        
Estou mesmo abrindo as cortinas, pensava a mulher saindo de uma timidez. Que pequeno quadrado enrolado em paredes, uma sala como um copo sem água. Como eu, essa sala era um jardim sem flor ou uma reza sem fim.
        
A mulher era tão séria em suas decisões que lhe doía em algum lugar. Mantinha-se tão reta, que às vezes sonhava que era curva, que era linha redonda. Que era barriga, que era círculo do começo ao fim.
        
- Que luz forte! Verdadeira demais. Dizia ela em voz alta.
        
- Já me disseram uma vez que eu falava exageradamente direta.
Eu concordei e lhe digo luz: é mais fácil ser aceita quando se é discreta.
        
A mulher agora tinha algo com a luz, que já deixava entrar. Não gostava mais de nada tão direto e verdadeiro. Então, deu um aviso a luz, mas sabe que afinal, cada um faz o que bem entende.
        
- Hoje estou feliz. Com uma vontade, uma cócega, quase me pondo a rir. Será prazer isso? E eu aqui achando que é felicidade? Ah, tanto faz, os dois moram bem perto e são marolinha boa.
        
Parou para sentir o que sentia. E sentiu tudo de uma vez. Depois foi deixando de sentir. Sentimento se despedindo devagar, pois tinha tanto para se fazer. Agora as cortinas estavam abertas.

 Capítulo 20: Reticências

 Ela queria sentir falta do que já teve e não tem mais. Mas não adiantava. Não sabia sentir-se assim. Só tinha falta do que não teve. Sentia falta da chuva de alecrim. E se chovesse, diria assim: “essa chuva é dentro de mim”. Que tímida que era, recolhida em si, não gostava de pensar desse jeito.
        
Sentia saudade dela mesma, que poderia estar esticada em algum varal ao sol. E ainda ia pensando: vou marcar uma hora comigo, e ouvir o que tenho para dizer de novidade ou de novo ouvir minhas histórias antigas. Vou começar agora a fazer tudo que me falta, para parar de ter saudade. E aí começo a ter saudade de sentir falta e sinto a falta da saudade.
        
Que falta fazia um lugar distante, feito de opostos, diferenças que não se chocam. E pensava que falta, é buraco que não há. Que era tolice tão doce, que dava dó.
        
E aí, ajeitava os cabelos diante do espelho, para parar de pensar bobagens como essas, soltava um gemido risonho, espreguiçava-se nessa historinha inventada. Tinha vida mundo afora.


Capítulo 22: O entendimento

        Silêncio. Era o que vivia a mulher, neste instante. Silêncio de batidas no peito, de desejos sem medidas. É que ela sentia que tinha tanto, com ele ao seu lado.
        
Sentia que a vida era, que a sede fora acalmada e que a alegria tinha se espalhado por todo o canto de si.
        
Silêncio não era solidão, era só um vazio bem cheio de ser. Era o corpo chegando aonde se deseja, enfim, no zero.
        
Depois vinha o ar, enchendo e esvaziando, para que a vida continue, mesmo sem precisar. Sabia que ainda tinha histórias e sentia cada pedaço seu vibrar: não é que tinha entendido o amor!
        
Mesmo com todas as ruas que se perdiam, os túneis que a deixavam sem visão, os buracos na estrada, as espadózias, os ipês, as cantigas, os porquês.
        
O amor era e sempre será.

Trechos retirados do site: www.cronopios.com.br 




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