6.10.10

O silêncio das árvores





Por Lucius de Mello


E o eterno Deus fez brotar da terra toda árvore agradável à vista e boa para comer, e a árvore da vida estava no meio do jardim...” (Gênesis - 2:9). 



As pessoas são aquilo que elas amam, afirma o educador Rubem Alves numa das suas saborosas crônicas que tenho o prazer de degustar com mel, frutas e pão quentinho durante o meu café da manhã. Assim como alimento meu corpo com o cardápio matinal também nunca esqueço de alimentar minha alma com as palavras dos escritores e poetas. “Muitas pessoas levam cães para passear; eu levo meus olhos para passear. E como eles gostam. Encantam-se com tudo!”, afirma o cronista. O mundo é para ser visto e não para pensarmos nele. Os olhos são a porta pela qual a beleza entra na alma. Meus olhos se espantam com tudo que veem. Vejo e quero que os outros vejam comigo. Por isso escrevo. Faço fotografias com palavras. Minhas crônicas são fotografias. Escrevo para fazer ver, explica Rubem Alves. Por que não ouvir com os olhos o silêncio das árvores que vivem entre nós?
Foi com essa intenção que um cronista de Bariri, carinhosamente chamado pelos amigos de Cavinha, escreveu o texto A Última Florada. Nele as palavras tornam-se imagens na hora que começamos a ler. “Este ano o ipê roxo da praça não floriu... Deixou-nos frustrados!”, escreve Cavinha. Ele relata que ao passar pelo jardim parou próximo do tronco do ipê e ficou observando seus galhos secos e sem folhas. Que esses galhos lembravam mãos esqueléticas apontando seus dedos para o céu, quem sabe dirigindo ao Criador uma oração ou súplicas. E o cronista poeta pergunta: O que aquela árvore poderia estar dizendo, pedindo ou reclamando? Estaria ela somente sofrendo as agruras deste tempo seco? 
O escritor recorre à própria memória para relembrar o dia em que o ipê roxo da praça de Bariri foi plantado. Escreve que a árvore cresceu saudável, presenteou Bariri com lindas floradas, aconchegou em seus galhos infinitos ninhos de passarinhos, “oferecendo-lhes também um lugar seguro para interpretar seus cantos, como se fosse um palco”. Cavinha, então, conta como era o dia-a-dia do velho ipê roxo que se tornou um dos símbolos mais preciosos da cidade até chegar ao ano de 2010. O ano que ele não floriu. Estaria doente?, pergunta o cronista. 


“Se pudéssemos perguntar o porquê de sua tristeza, a resposta poderia ser:
- Estou com sede...
- Ninguém mais cuida da praça... O jardim está esquecido...


“Tomara que o ipê roxo da praça esteja somente esperando a chuva para brotar novamente. 


Tomara que a florada do ano passado não tenha sido a última”, finaliza o cronista de Bariri. 
As palavras dele denunciam um problema sério. Com o crescimento das nossas cidades estamos esquecendo do valor que uma árvore tem. Ela é viva como um pássaro, um cão, um homem. 
Mutilar ou derrubar uma árvore é cometer um crime, um atentado contra a vida criada por Deus. 


Vamos levar nossos olhos para passear como sugeriu Rubem Alves. Temos tanto para ver e não calar.

                                                                ***

Este autor retrata o que devemos fazer nesta correria de nossa vida."O mundo é para ser visto e não para pensarmos nele". Aqui, me fez lembrar de um heterônimo de Fernando Pessoa, o nosso grandioso Alberto Caeiro, pois ele é um sensacionista. O poeta das sensações! Uma flor é simplesmente uma flor, é aquilo que estou vendo. Devemos sentir, e não ficar pensando no que estou sentindo!
Aline Amora

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